sábado, 14 de maio de 2011

Altair Freitas: Reforma Política, um debate imprescindível

Brasil

14 de Maio de 2011 - 8h24

Altair Freitas: Reforma Política, um debate imprescindível

A Reforma Política finalmente passa a ser pautada no debate político cotidiano. Se não ganhou a atenção do público em geral, ao menos passa a ser elemento de conversas em diversos setores sociais, notadamente os mais mobilizados e mobilizáveis, à direita, centro e esquerda do espectro político nacional.

por Altair Freitas, em seu blog

Após 25 anos desde a redemocratização, que pôs fim ao triste e pérfido regime militar que comandou o Brasil por 20 anos, há um certo consenso de que o nosso sistema político-eleitoral precisa ser reformulado em, ao menos, parte significativa da sua estrutura. Se há consenso com a necessidade de mudar, ele termina por aí e não poderia ser diferente. Muitos são os interesses em jogo, multiplas são as forças politicas e inúmeros são os obstáculos para que se estabeleça o consenso em torno de uma reforma que seja efetivamente democrática e que sirva para fortalecer os partidos. Além do que a nossa trajetória política nos mostra que quem se dá bem com as regras de um jogo dificilmente vair se empenhar para mudá-las. E como vemos, tem muita gente se dando excelentemente bem com a estrutura eleitoral e partidária atual.

A título de marcar alguma posição nesse debate, apresento abaixo algumas das idéias que defendo há anos sobre uma eventual reforma política. Evidente que posições podem ser alteradas conforme o debate avança e isso é natural. Contudo, olhando o passado recente do país e o quadro político partidário atual, ao menos por enquanto, os elementos que apresento expressam sucintamente o que penso sobre o tema. Vamos a eles.

Financiamento público de campanha

Entendo que o principal argumento para a sua defesa está na esfera de que este instrumento limita as possibilidades de os grandes grupos econômicos financiarem partidos e candidatos, diminuindo, por decorrência, seu poder de barganha junto aos futuros eleitos. E se democracia é o "poder do povo" o financiamento público é um passo a mais na luta pelo seu aprofundamento e enraizamento nas camadas mais populares.

Não resolve o problema do predomínio da burguesia, como classe dominante, mas é um avanço interessante. Se implementado, seria um importante instrumento para diminuir o desequilíbrio entre as legendas partidárias no tocante aos recursos financeiros injetados nas campanhas, uma vez que o empresariado que financia partidos e candidatos, o fazem conforme seus interesses de classe e negociais. Além disso, uma vez que o volume de recursos a que cada partido tem direito é previamente estabelecido, é muito mais eficiente o controle sobre a sua aplicação e teria ainda razoável impacto sobre os tais caixas 2.

A grita contra essa forma de financiamento de campanha eleitoral parte principalmente exatamente dos grandes grupos empresariais e de parte significativa da grande imprensa. Creio que os motivos são óbvios, se analisados do ponto de vista de classe. O argumento mais cretino utilizado é que o povo não deve arcar com mais impostos para financiar eleição! É um argumento que tem um certo apelo popular, já que a carga tributária no Brasil é elevada. Mas não é necessário aumentar qualquer imposto, ou criar algum específico para financiar campanhas eleitorais. Além disso, não se propõe distribuir dinheiro em larga escala aos partidos. As campanhas no Brasil ficaram milionárias e isso tem que acabar também. Partidos e candidatos têm que ir atrás do voto sem pirotecnia. Política não é entretenimento! Ao mesmo tempo, a manutenção do financiamento privado de campanha é a perpetuação do amplo predomínio do poder econômico nos processos eleitorais. Basta ver como a presença de representantes efetivos dos setores populares ou ligados aos trabalhadores ainda é reduzido nos parlamentos federal, estaduais e municipais.

Fidelidade Partidária

A fidelidade partidária deveria ser um elemento básico para a constituição de qualquer partido. Mas como a grande maioria dos partidos no Brasil são meros aglomerados amorfos, constituídos por interesses regionalistas e grupais variados – além, claro, do predomínio da elite econômica sobre a maior parte das legendas - impor a fidelidade por lei se torna necessário. Diminuiria sensivelmente aquela triste dança de legendas verificadas todos os anos, o chamado troca-troca de partido. Dificultaria muito as barganhas entre os poderes executivos e grupos econômicos junto a parlamentares que negociam o próprio voto a este ou àquele projeto a ser votado de acordo com seus interesses pessoais, à revelia das decisões partidárias. De quebra, seria também um fator importante para que os partidos caminhassem no sentido de compor plataformas políticas mais claras, menos genéricas.

É bom destacar que os partidos de esquerda, em particular os partidos comunistas, mundo a fora, utilizam mecanismos internos muito interessantes para buscar estabelecer junto aos seus militantes e parlamentares e/ou dirigentes de órgãos executivos públicos um elevado grau de disciplina interna e respeito às decisões coletivas. É claro que esse tipo de comportamento tem muito a ver com a opção política desses militantes, no sentido de estabelecer uma luta política em defesa de profundas mudanças políticas sociais e econômicas, o que, cá pra nós, não é bem o caso de boa parte da nossa classe política. A decisão recente do Tribunal Superior Eleitoral em legislar sobre a fidelidade partidária, considerando que os mandatos pertencem aos partidos e não aos candidatos eleitos, foi um jeito torto de escrever uma coisa certa.

Lista Fechada de Candidatos

Este seria um grande avanço para a consolidação de partidos estruturados em torno de plataformas mais coerentes e, logo, com mais facilidade para o controle do eleitorado sobre os próprios partidos. Na Lista Fechada, os partidos determinam uma ordem de prioridade para a eleição dos seus candidatos, estabelecendo critérios mais claros da vinculação entre os candidatos e o próprio partido (fidelidade e comprometimento com o programa, por exemplo). O voto deixa de ser no candidato exclusivamente e passa a ser fundamentalmente no partido. Para a decisão do eleitor, pesa menos a capacidade de propaganda individual de cada candidato, passando a ter mais valor a plataforma partidária como um todo. Ao lado da fidelidade partidária, possibilitaria aos partidos terem uma conformação político ideológica mais transparente, facilitando ao eleitor tirar conclusões mais consistentes sobre em quem seria realmente mais adequado depositar sua confiança;

Sem Cláusula de Barreira

Considerando o tamanho do Brasil, sua diversidade regional, considerando toda a deformação acumulada na estrutura político-partidária acumulada ao longo dos anos, cláusula de barreira é uma medida absurda e visa a preservação de quatro ou cinco grandes partidos no cenário nacional. Partidos que já estão aí e que não correspondem, sob vários aspectos, às necessidades mais prementes de mudança no país. A cláusula de barreira tem como principal propósito impedir o crescimento de forças políticas vinculadas aos movimentos populares, portanto, comprometidas com mudanças concretas nos diversos aspectos fundamentais da vida do povo.

Ao defenderem a cláusula de barreira, articulistas da grande imprensa, representantes dos grandes partidos e da elite em geral, esgrimem como argumento a existência de partidos de aluguel, que normalmente são pequenos. Mas, ora, ora, quem se utiliza desses expedientes para fazer política se não representantes dessa mesma elite? Quem costuma criar legendas a torto e a direito para disputar esta ou aquela eleição, se não representantes dessas elites que ficam sem espaço nas legendas mais consolidadas?

Não! O principal problema da grande elite nacional não são os partidos de aluguel. O principal problema são os partidos vinculados de alguma maneira às lutas dos trabalhadores; partidos com comprometimento político e ideológico muito concretos e que têm claras plataformas mudancistas. Partidos que até o momento foram vítimas dessa profunda distorção na estrutura eleitoral que permite aos grandes conglomerados econômicos financiar, sem dó nem piedade, partidos e candidatos fiéis aos seus interesses de classe. Aqui está o centro da questão! Novamente, por interferência do TSE, a cláusula foi extinta, mas vira e mexe algum partido “grande” volta com a idéia.

Alguém topa zerar o jogo?

Considerando o conjunto dos elementos acima, agrego um outro raciocínio que, tenho convicção, nenhuma força política com representação nos parlamentos - de câmaras municipais ao congresso nacional - toparia. Mas minha preocupação não é se isso tem apoio ou não.

Defendo a idéia de que, reforma concluída, nenhum (a) - repito, nenhuma (a) dos atuais parlamentares, de norte a sul, de vereadores e senadores, deveriam ser candidatos (as) na primeira eleição pós reforma. Sim, eu sei que é loucura! Mas nem só de sanidade vive o ser humano, afinal de contas.

Qual é a lógica dessa idéia? Na verdade, bem simples!

A atual representação parlamentar é distorcida, manipulada pelos grandes grupos econômicos e não expressa de modo efetivo a vontade do povo brasileiro. Campanhas milionárias, com lautos financiamentos privados, conseguem montar azeitadas máquinas de propaganda e de compra de votos por variados mecanismos. Vários, provavelmente a maioria dos (as) atuais parlamentares, estabeleceram bases eleitorais mais ou menos consolidadas usando o atual nefasto sistema. É preciso diminuir ao máximo a influência dos atuais esquemas sobre os pleitos futuros e impedi-los de serem candidatos, ao menos no primeiro pleito, seria no mínimo uma ação preventiva para que o jogo fosse jogado de modo mais equilibrado.

A cada eleição, bancos, empreiteiras, industrias dos mais variados ramos, latifundiários e o conjunto do poder econômico se mobiliza para financiar seus candidatos e partidos. Nossa democracia é em parte profundamente deformada graças à intervenção direta da grande elite econômica. Nos últimos dias, a título de esclarecimento, um dado veio a tona: a indústria bélica brasileira doou nada menos do que R$ 2,77 milhões em 2010 para diversos dos atuais deputados eleitos e candidatos não o conseguiram. Indústria de armas financiando parlamentares, qualquer um pode imaginar qual é o pagamento da ajuda!

Portanto, a luta por uma Reforma Política que possibilite limitar o abuso do poder econômico, que permita termos partidos com mais coerência programática, que facilite o controle do eleitor e dos próprios partidos sobre seus membros que exercem cargos eletivos, será um avanço significativo. Resolve tudo? Claro que não. Acaba com a corrupção de modo definitivo? Evidente que não! Mas ajuda bastante na consolidação de ações políticas menos comprometidas com grandes interesses econômicos que limitam, objetivamente, o avanço das forças sociais mais sadias. Uma Reforma Política, nos termos singelos acima apresentados, seria um passo importante para desenvolvermos uma democracia representativa com aspectos mais participativos.

Contudo, o atual quadro de forças indica que tal reforma será difícil. Se nos pautarmos exclusivamente pela opinião da maior parte da grande imprensa e dos próprios líderes dos grandes partidos que dominam a cena política, estamos ferrados! Para eles, mudanças profundas são incompatíveis com a manutenção dos seus privilégios, da sua hegemonia sobre as atuais estruturas de poder. Essa luta é difícil, não impossível. O que não podemos, sob qualquer hipótese, e aceitar passivamente a manutenção de uma estrutura tão deturpada como a atual. À elite dominante interessa a confusão, o desalento e o comodismo. Numa situação em que todos parecem iguais, em que todos parecem estar comprometidos com a bandalheira, prevalece o sentimento de que lutar para mudar é perda de tempo. Esse tipo de comportamento, esse tipo de sensação serve muito bem a quem domina.

É preciso compreender que o aprofundamento da democracia, o seu desenvolvimento, a criação de mecanismos que permitam um maior controle do eleitor sobre os eleitos, não interessa apenas a determinados políticos. Interessa em particular às dezenas de milhões de excluídos, trabalhadores de baixa renda e setores médios, que juntos formam cerca de, pelo menos, 80% da população. Interessa a todos aqueles que lutam pela construção de uma nação soberana, desenvolvida economicamente e socialmente justa.

A política deve ser o ambiente da cidadania e cada cidadão deveria sentir-se confortável para nela atuar e não enxergá-la como um antro de ladrões. Ainda que essa visão seja um tanto exagerada pois temos sim políticos honestos e que lutam em defesa de princípios relevantes, essa ainda não é a tônica. Mas devemos seguir lutando para que seja.

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