sábado, 23 de abril de 2011

A simplicidade de Manuel Bandeira faz 125 anos

Cultura

22 de Abril de 2011 - 22h00


No último dia 19, o autor pernambucano Manuel Bandeira, um dos maiores poetas brasileiros, completaria 125 anos. Sua obra, repleta de lirismo, continua causando eterno "alumbramento" em muitos leitores. Ao tornar sublime aquilo que se esconde na simplicidade, nas pequenas coisas corriqueiras da vida, Bandeira fez poesia não só para os cultos, não só para o seu tempo.

Nasceu em 1886, no Recife, mas, ainda na infância, viveu também no Rio de Janeiro e em São Paulo. Aos 18 anos, foi diagnosticado como tuberculoso. A doença abortou seus planos de ser arquiteto, mas fez nascer o poeta.

"A poesia de Bandeira tem início no momento em que sua vida, mal saída da adolescência, se quebra pela manifestação da tuberculose, doença então fatal. O rapaz que só fazia versos por divertimento ou brincadeira, de repente, diante do ócio obrigatório, do sentimento de vazio e tédio, começa a fazê-los por necessidade, por fatalidade, em resposta à circunstância terrível e inevitável", diz o crítico, Davi Arrigucci Jr.

Bandeira viveu "sempre como que provisoriamente", à espera da morte - que viria apenas aos 82 anos. Muitos de seus versos refletem, então, essa sensação de melancolia, de “uma vida inteira que poderia ter sido e não foi”. Por outro lado, a urgência e a incerteza fizeram dele um poeta atento às pequenas descobertas da vida, que valorizava a existência cotidiana e todos os seus detalhes.

"Eu faço versos como quem morre", escreve Bandeira, no poema "Desencanto". Para ele, "a poesia está em tudo - tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas".

Seu primeiro livro, "A cinza das horas", foi publicado em 1917, sob uma influência tardia dos parnasianos e simbolistas. Dois anos depois, lançou "Carnaval", fazendo uso do verso livre, que introduziu no Brasil.

Alguns poemas da publicação seguinte, "Ritmo dissoluto" (1924) já trazem versos que seguem a linha do modernismo emergente. Depois, Mário de Andrade o chamaria de "São João Batista do modernismo brasileiro".

Bandeira foi convidado a participar da Semana de arte moderna de 1922, e, embora não tenha comparecido, deixou um poema seu (Os Sapos) para ser lido no evento. Em "Libertinagem", os versos de "Poética" viraram uma espécie de símbolo do movimento. Neste mesmo livro, estão ainda outras poesias que são cruciais para entender a obra desse poeta, a exemplo de "Vou-me embora pra Pasárgada" e "Evocação do Recife".

A família, a morte, o amor, as lembranças da infância no Recife, o folclore são temas sempre presentes na escrita de Bandeira.

“Poucos poetas terão sabido, como ele, aproximar-se do leitor, fornecendo-lhe um acervo tão amplo de informes pessoais desataviados, que entretanto não parecem bisbilhotice, mas fatos poeticamente expressivos. O seu feitiço consiste, sob este ponto de vista, em legitimar a sua matéria – que são as casas onde morou, o seu quarto, os seus pais, os seus avós, a sua ama, a conversa com os amigos, o café que prepara, os namorados na esquina, o infeliz que passa na rua, a convivência com a morte, o jogo ondulante do amor”, disse o crítico Antônio Cândido.

Bandeira também atuou como tradutor, escreveu crônicas e críticas para diversos jornais e exerceu atividades profissionais relacionadas ao ensino. Apesar de ter muitos amigos e de frequentar as reuniões na Academia Brasileira de Letras (para a qual foi eleito em 1940), Bandeira viveu solitariamente, nunca casou: dizia que "perdeu a vez".

Morreu aos 82 anos, de parada cardíaca e não da tuberculose que lhe assombrou durante a vida.
Foi-se "embora para Pasárgada".

"Quando a indesejada das gentes chegar / (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga:/ - Alô, iniludível!/O meu dia foi bom, pode a noite descer./(A noite com seus sortilégios.)/Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, /Com cada coisa em seu lugar."

Leia abaixo mais alguns de seus poemas:


Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com o livro de ponto
expediente protocolo e manifestações de apreço ao
sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobre tudo os barbarismos universais
Todas as construções sobre tudo a síntese de exceção
Todo os ritmos sobretudo os instrumentais

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante exemplar com cem modelos de cartas e as
diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.

Quero antes do lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da hora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei e bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada...


Estrela da manhã

Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda à parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noite
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com malandros
Pecai com sargentos
Pecai com fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda à parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.


Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.


Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.


Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

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