sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Entrevista com Carla Santos Publicado por waltersorrentino em 23/11/2010

Demorou mas saiu! Há tempos pedi esta conversa com Carla Santos. Ela está por trás da TV Vermelho, uma ousadia (com o Toni C, já entrevistado aqui, gênio do hip hop. Seu pai faleceu semana passada, e o blog lhe dá sentidas condolências).

Carla é ousada em todos os terrenos. Fique com essa deliciosa conversa. Obrigado Carla, acho que os leitores vão gostar. E tuas sugestões foram ótimas para novas entrevistas.
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Carla, acho que você já conhece a proposta do blog na seção conversa.com?

Conheço sim e acho genial! É maravilhoso poder encontrar um blog que estimule a nossa curiosidade sobre quem são os milhares de comunistas brasileiros do século 21. É também uma maneira interessante de perceber a diversidade de conhecimentos que temos hoje. Vejo o conversa.com construindo pontes e diminuindo as distâncias entre todos esses saberes. Este mosaico, em permanente construção, me enche de esperanças, de uma alegria sincera por nos vermos assim tão ricos de história, de opiniões, de ações, de ideias.

Quero falar com quadros jovens, mulheres, criativos, que estejam enfrentando seu futuro profissional.

Opa, que maravilha! Sendo assim, aqui vão algumas dicas de possíveis entrevistas: Fabrício Solagna – Fu-xu, é fera no debate sobre propriedade intelectual e inclusão digital. Acabou de fazer uma especialização nos EUA, foi membro do Conselho Nacional de Juventude e atua na Associação Software Livre . Outro figurinha é o Davi Chakrian, atualmente ele é um jovem trabalhador do metrô de São Paulo, labuta na linha lilás e ajuda a gente lá no sindicato e já foi candidato a vereador em Osasco. Por fim, uma menina, a Mayanna Neves, primeira DJ mulher de Manaus, apresenta também um programa sobre esportes e ecologia em um canal aberto de TV. Todos eles são jovens do partido (têm menos de 30) e já foram, em algum momento, membros da direção da UJS (nacional, estadual ou municipal).

Então fique à vontade. No fundo é falar de você, de como vê a luta, o Brasil, o futuro, a juventude, a feminilidade, etc.

Acho que aquela velha música do Lulu Santos, que eu já vi tanta gente usando pra tanta coisa, resume bem como eu estou vendo tudo isso que está aí: “Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais sim do que não, não, não…”

Quem é a Carla?

Eu ouvi algo assim faz pouco tempo: “eu sou a imagem que os outros fazem de mim a partir da imagem que eu ofereço de mim mesma aos outros”.

(Ornithoptera alexandrae)

(Ornithoptera alexandrae)


Você está nessa nova experiência jornalismo, aqui no Vermelho. Tem sido interessante profissionalmente? Quais os desafios?

Trabalhar com comunicação, ainda mais no Vermelho, tem sido uma experiência fantástica. Apesar de toda a ditadura do capitalismo, a internet e todas as ferramentas e softwares que estão por aí abriram um novo universo para a liberdade de expressão humana. Compartilhar destas possibilidades, perceber o quanto elas estão expandindo o potencial criativo de todos nós, é uma experiência de vida generosa.

Para manter e desenvolver essa experiência, incluindo nosso aguerrido galo Vermelho, vejo quatro entre os principais desafios. Primeiro, a garantia de que todos brasileiros possam ter acesso à internet de qualidade e com banda larga, o que ainda é um luxo no Brasil. Segundo, garantir um sistema democrático de rádio e TV digital. Se a plataforma não será mais analógica por que permitir que sete famílias continuem donas de todo espectro radiodifusor do país? Terceiro, pela permanência da neutralidade da rede, essa é uma grande conquista que não pode ser perdida. Quarto e último, por um novo paradigma sobre propriedade intelectual, pelo uso da licença CreativeCommons.

Também acho um desafio cotidiano, principalmente para os comunistas, apropriar-se destas lutas, entende-las como parte integrante de todas as outras (trabalho, educação, saúde, segurança, cultura, esporte, etc) deste presente e também do Brasil socialista. O direito à comunicação pode não parecer importante hoje, mas, sem dúvida, é a grande luta do futuro. Comunicação está mais do que provado, é puro poder. Quem dominar as novas plataformas de linguagens, ainda mais em um mundo globalmente digitalizado, incluindo o sistema financeiro, dominará conhecimentos chaves para transformar o mundo. Ah… Como gostaria de ter talento para ser hacker (que ninguém aqui confunda com cracker… )

Vocês estão implantando a TV, experiência meio que pioneira… Como tem sido?

Caramba, tem sido desafiador! Por muito tempo a gente achou que esse lance da linguagem audiovisual era só para gente profissional ou artista. A revolução tecnológica, a convergência digital, está mudando esse paradigma. Hoje, com pouco equipamento se faz milagres. Veja, nós comunistas temos um larga tradição nesse campo. Se começamos com Eisenstein imagina aonde podemos chegar hoje? No momento, o Vermelho já é o único site do campo da mídia alternativa que tem pelo menos um vídeo novo por dia e um próprio por semana. Nem mesmo o Conversa Afiada, ou o Vi o Mundo, blogs com grandes figuras do jornalismo televisivo, conseguem essa regularidade. Isso é motivo de orgulho, mas também de preocupação. As entidades do movimento social, por exemplo, poderiam ter um trabalho mais protagonista nesta área. Neste sentido, fiquei super feliz com a inauguração da TVT. Só que TV não é para qualquer um, já vídeo para a internet é para todos. O legal é que muita gente já se deu conta disso. Tanto que nas eleições de 2010 o vídeo na internet ganhou um papel nunca antes visto em embates do tipo no país. O que falta, muitas vezes, é investir na realidade o tamanho da vontade que a gente ouve no discurso.

Como foi a transição da UBES para a vida profissional? Você foi fera como presidenta da UBES…

Opa! A geração dos anos 90 foi fera mesmo! Rolou impeachment do Collor, convicção revolucionária frente à propaganda anticomunista pós- queda do muro de Berlim e, por fim, o freio ao avanço do neoliberalismo. Eu entrei na parada no finalzinho desta história, ali pelos idos de 1997, e como foi bom ver o Lulá já em 2002. Até hoje tem calouro lá na USP, onde curso Letras-Italiano, que acha engraçado ver a raiva que eu tenho do FHC. Eles não conseguem entender o quanto a gente sofreu naquela época. Como é bom poder sonhar o Brasil que estamos fazendo hoje!

Bem, diferente do que queriam os urubus da mídia, depois de protestar pelada, pela CPI da Corrupção do governo FHC, eu não saí da UBES e virei celebridade instantânea de revista masculina (rsrsr). Aliás, jamais tirarei a roupa novamente por uma causa, agora só por amor (ui!). Então continuei na direção nacional da UJS. Foram quase 10 anos dedicados a nossa gloriosa escola de socialismo, os últimos dois na diretoria de comunicação. Sabendo que estava de saída, o Bernardo me convidou para trabalhar no Vermelho, onde eu já colaborava como colunista. Pensei um pouco, mas não muito, e logo disse “sim” e até agora estamos aí.

Como você vê o Brasil neste momento, do ponto de vista geracional?

Poxa, essa pergunta é bem ampla. Que tal a gente falar sobre movimentos sociais, que sempre foi mais a minha praia? Nos anos 90, o governo FHC passou a estimular um protagonismo de oposição às organizações e entidades historicamente construídas (como partidos, grêmios, sindicatos e associações). Essa foi uma sacada muito inteligente por parte deles. Pra muita gente ainda é difícil resolver essa suposta contradição. Nesse caldo, em 2001, o 1º Fórum Social Mundial acontece reafirmando diferenças. A sociedade civil se via fragmentada, não éramos mais “os trabalhadores”, mas sim os negros, os LGBTs, os ambientalistas, e por aí vai. Isso acabou jogando água no moinho do fim da ideia de representação.
Só que a verdade é uma só: juntos, somos mais fortes. Entre outras mudanças, a popularização da internet, em pleno século 21, está mostrando que por mais diferentes que sejamos, sempre teremos algo em comum. Sempre estaremos buscando uma identidade coletiva. Claro que aqui eu estou falando do campo que entendeu, de maneira mais ou menos consciente, que vale a pena lutar contra a barbárie do capitalismo. Estamos também entendendo que as nossas diferentes motivações para transformar o mundo não são antagônicas, e sim complementares. Nenhuma bandeira é vertical. Toda luta é transversal.

O problema é fazer essa relação na prática. Veja, eu tenho uma tese, chama-se “trauma da clandestinidade”. Ela consiste em refletir sobre o quanto é difícil, mas necessário, superar práticas políticas que para gerações e conjunturas passadas foram imprescindíveis, mas que para as novas gerações e para o nosso tempo de hoje não fazem mais sentido. Eu tenho a sensação de que ainda nos organizamos como se estivéssemos na ditadura ou na guerra fria. Só que a guerra de hoje é outra. De repente parece que tudo é relativo e a única coisa que existe é o vazio. Se quisermos vencê-la, precisamos cultivar os nossos valores. De que adianta defender a democracia se no sindicato ainda temos as mesmas lideranças de 10 anos atrás? Se o jornal do DCE ainda é feito por um ou meia dúzia de dirigentes? Se defendemos as mulheres nas reuniões, mas em casa é elas quem continuam lavando a louça?

Acho que ainda temos muito medo do preconceito que criaram contra a gente. Se a gente desse mais a cara a tapa, poderia desfazer muito desse preconceito. Isso passa por construir mais ações em conjunto com pessoas que ainda não são filiadas a nenhum partido. Ouvi-las, dar espaço e construir junto com elas a realização de suas propostas. Apostar de verdade no potencial de troca entre os mais experientes e inexperientes na luta política.

Eu adoro passeata. Vou em todas, sempre que posso. Mas passeata é fruto de um acúmulo político. Olhe os pontos de cultura, por exemplo. Nos dizem: -contra o imaginário americano que domina o mundo, viva o nosso universal regionalismo! O governo Lula está aí, quem soube elaborar, aprovar e construir projetos coletivos, trabalhar em rede, cresceu. Quem ainda acha que as coisas acontecem somente dentro da sede está perdendo espaço. O tempo é de abrir a mente, arregaçar as mangas e pegar no pesado, carregar o piano mesmo. Essa é a nossa chance de participar efetivamente da construção do nosso país.

E o futuro?

Me sinto privilegiada por viver agora, em meio a essa revolução tecnológica, na crise da hegemonia dos EUA e do neoliberalismo, na era do governo Lula. Vejo esse tempo novo que se abre e todas as chances que temos de disputá-lo, aproveitá-lo.
Eu também viajo muito nessa palavra: futuro. É interessante que na língua italiana o modo verbal do presente tem também um valor de futuro. Olhe, por exemplo, o que estão fazendo os japoneses. Eles já começaram a desenvolver a memória orgânica. Bem, isso quer dizer que daqui a algum tempo, ao invés de um pen drive ou um CD, eu posso carregar tudo em alguma memória que, sendo orgânica, pode estar acoplada em alguma parte do meu corpo. Agora imagine se essa memória puder ser acoplada ao meu olho, ou a minha boca, e eu comece a sentir e ver coisas que, na verdade, não existem no mundo material, mas que, fisicamente, produzem sensações reais. O que isso pode mudar em nossas vidas?

Tem também um doutor em ciências da computação, pernambucano, chamado Silvio Meira que faz umas projeções muito interessantes. Segundo ele, dentro de 15, 20, 30 anos, se você não souber programar, estará alienado da sociedade. Meira afirma que “quando você navega na internet, ou usa o cartão de crédito ou de débito, tudo começa a ficar registrado no sistema. Resultado: daqui a 10, 15 anos, o sistema terá uma pirâmide de informação a seu respeito, o que você gosta de fazer sexta à noite, onde compra comida etc. Mas é parte do nosso modelo de vida social esquecer daquilo que ficou irrelevante. E os sistemas de informação precisam esquecer paulatinamente das coisas também. A questão é: o que será esquecido? Essa discussão é fundamental para determinar em que tipo de mundo viveremos. Agora é a hora de a humanidade começar a conversar sobre como regular essa coisa toda”.

E como vê o papel da juventude nesse quadro?

A juventude é que tornou todo esse cenário de mudanças possível. Se a gente for olhar para a história do Brasil vai ver que tem sempre uma multidão de jovens incendiando as grandes mudanças. O Prestes começou todo o movimento da Coluna, lá na minha terra, no Rio Grande do Sul, com 26 anos. O Lula tinha apenas 23 quando se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Zumbi dos Palmares iniciou a resistência dos quilombo, pasme, com 15 anos! A juventude sempre foi sinônimo de luta, de generosidade, de afeto apaixonado pelas transformações. Todo mundo sabe disso porque todo mundo já foi jovem. Coisa que eu não entendo é quem fica desfazendo da juventude de hoje em detrimento daquela da sua época. Essa conversa só serve às classes dominantes. Essas sim querem que a juventude se adapte. Agora, pra ser bem sincera, não sei até o quando o Brasil ainda vai ser um país composto majoritariamente por jovens. O próximo Censo do IBGE deve apontar para um país mais “envelhecido”. De qualquer maneira, é um fato que os jovens precisam ser muito mais respeitados pelos nossos gestores públicos. Viva a PEC da juventude! Agora eu quero mais!

Mulher militante, comunista. Como é isso? Que vantagens e desvantagens comparativas isso traz?

Ser mulher, independente de ser comunista e militante, te dá uma única vantagem: escolher entre ter e não ter filhos. Como os homens ainda não ficam grávidos, isso é uma decisão exclusiva das mulheres. Por isso, sou totalmente favorável ao aborto. Nunca precisei fazer um e hoje, se ficasse grávida, certamente não faria. Mas tenho a convicção de que essa deve ser uma escolha das mulheres com o apoio do Estado. As religiões deveriam pregar a sua luta contra o aborto através do convencimento, não amparados em uma lei absurda que só privilegia a burguesia que pode pagar clínicas abortivas seguras.

Teus gostos, hobbies, músicas e filmes prediletos.

Eu gosto de muitas, mas muitas coisas diferentes. Não tenho nenhum hobbie. Talvez uma certa mania de colecionar cartões postais e ingressos de todo tipo. Eu escuto de tudo. Adoro a diversidade em todos os sentidos. Ultimamente, uma música que a Sophia Loren canta tem rodado sem parar na minha cabeça. Acho que a melhor maneira de estudar italiano é ouvindo música. Tem um outro rapper italiano que eu gosto muito, o Jovanotti. Amo mesmo é aprender línguas, ler e ver filmes. Se pudesse, passava dias estudando as mais diversas línguas, lendo e olhando filmes. O momento é de mergulho nos escritores africanos. Recomendo “Luuanda”, do José Luandino Vieria. Bom demais! Entre os filmes que mais me marcaram está o “Árido Movie”, uma tese cinematográfica sobre o Brasil contemporâneo. Olha o trailler aí:

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E militância, que sentido tem pra você?

A militância é o sentido da minha vida. Não sei se ainda estaria aqui se não acreditasse no comunismo. O mundo é muito louco. Cada um se agarra no que pode. Eu me agarrei a esta teoria científica chamada marxismo dialético histórico. Todos os dias, por onde quer que eu passe, faça eu o que eu faça, estou sempre semeando a esperança de que sim: um dia o mundo será comunista e o homem será verdadeiramente livre. Pra mim a militância e o PCdoB não é lugar, um momento. É parte da minha história, o que eu sou. Não estão, mas são a minha vida.

Pra terminar esse bate-papo, que tal lembrar Neruda, que tanto me acompanhou na viagem maravilhosa que fiz em fevereiro de 2009, de barco, por cinco dias, de Belém a Manaus? Diz o nosso poeta: “Confesso que tenho vivido”.

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