terça-feira, 26 de julho de 2011

Daniel Ilirian: Amy, um óbvio alerta

Daniel Ilirian: Amy, um óbvio alerta

Não conheço a obra e a carreira de Amy, mas não foram poucas as notícias que ouvi sobre as confusões com as quais se envolveu por conta da sua dependência às drogas. Evidentemente que minha ignorância diante da vida da cantora não tem a menor relevância perante sua trágica morte. Num primeiro momento bastam as palavras da própria mãe reconhecendo o óbito anunciado e o choro do pai.

Por Daniel Ilirian*

Porém, lembro das vésperas de seu show no Brasil, em especial em São Paulo, onde centenas de adolescentes acampavam para assistir a cantora, em que repórteres, de maneira jocosa, questionavam se valia a pena o sacrifício de horas de desconforto. As respostas dos púberes eram as mais óbvias e descontraídas possíveis: “pela Amy, é claro!”

Para mim a grande questão é o que realmente vale a pena em se tratando de artistas capazes de mobilizar milhões de adolescentes no mundo inteiro, através de seu talento, mas que infelizmente não conseguem conduzir suas próprias vidas de maneira equilibrada. A adolescência é provavelmente a fase mais difícil da vida de uma pessoa, e me atrevo a dizer isso como professor da rede pública da maior cidade do país, pois testemunho inúmeros problemas com meus alunos, que apresentam todos os tipos de complicações geradas pelos problemas sociais já conhecidos, e que desembocam com mais naturalidade e intensidade nas escolas públicas.

A adolescência é uma fase de formação essencial da vida, assim como a infância, porém com o agravante de que o jovem, mais crescido e mais autônomo, se depara com a enorme dificuldade de estabelecer limites saudáveis para si e os demais. E na conflituosa construção desses limites, ele se vale de muitas referências, que por vezes não estão na figura dos pais, mas de ídolos aos quais se apega, tal qual Amy. Não se trata de responsabilizar a cantora pela brevidade de sua vida, mas de se pensar que ela própria parecia mais uma adolescente perdida em seus conflitos pessoais em um corpo de uma mulher de quase trinta anos, maltratado pelas drogas.

Todos temos nossas referências e influências, fundamentais para o nosso caráter e conduta de nossas vidas, porém a capacidade de discernir entre o que nos fará bem ou não depende do nosso amadurecimento, vivência e dos anos que passam. E ainda assim somos falhos e inacabados, como bem pontuava o mestre Paulo Freire. Amy infelizmente não soube fazer as melhores escolhas para si. E numa sociedade capitalista como a que vivemos, onde somos bombardeados por uma publicidade atroz, que nos obriga ao sucesso, como se não houvesse ou não devêssemos lidar com o fracasso, as frustrações se tornam maiores do que deveriam, e as pessoas mais suscetíveis e sensíveis se tornam muito mais vulneráveis a caminhos nada saudáveis.

Artistas e fãs acabam tornando-se mais suscetíveis aos perigos do consumo de bebidas, drogas etc. Um claro banquete para a poderosa indústria de bebidas, que está longe de diminuir sua intensidade de produção e incentivo absurdamente irresponsável, ignorando todas as trágicas estatísticas noticiadas diariamente, e ainda com o cínico aviso de “beba moderadamente”! E o Estado impotente, leniente, conivente e absolutamente ineficaz, já perdeu há muito tempo a guerra para o tráfico.

Que Amy Winehouse possa servir de alerta, que há muito vem sendo dado, mas sem a atenção devida, para que nossos alunos e filhos saibam se divertir cientes de que a alegria, o respeito por si e pelos os outros é que o faz a vida realmente valer a pena.


*Professor de História da Prefeitura de São Paulo

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